Última atualização: 26 de julho de 2022
Às vezes nos encontramos assim, envoltos por uma tristeza indefinível, em silêncio, com a testa encostada na vidraça e com a alma no bolso. Não sabemos muito bem por que esse estado emocional se originou, mas o que notamos é que não podemos enfrentar o dia com a vitalidade de sempre.
O que dá origem a situações deste tipo? Não estamos falando de um estado depressivo, nem sempre uma coisa tem a ver com a outra, estamos nos referindo apenas àqueles dias em que o termômetro do nosso estado de espírito cai a um zero existencial. São momentos em que não surge nenhum entusiasmo, em que nos tornamos vagabundos de nossa rotina e apátridas de nossas esperanças.
"Não podemos impedir que os pássaros da tristeza voem sobre nossas cabeças, mas podemos impedir que façam seus ninhos em nossos cabelos"
É bom ter uma ideia clara: a tristeza é um mensageiro para poder entender, mas nunca um par de sapatos para usar permanentemente. No entanto, hoje em dia não podemos ficar tristes. Não há espaço para essa emoção atuar como um canal para o próprio cérebro. Somos quase “obrigados” a ignorá-lo e nos comportar como se tudo estivesse indo pelo melhor, para ganhar o Oscar de melhor interpretação do ano, demonstrando que somos imunes à decepção, frustração e desespero.
De qualquer forma, ninguém pode manter essa armadura, essa armadura inexpugnável por muito tempo. Embora cada um de nós tenha acesso a todo tipo de informação, livros e publicações, continuamos acreditando que a tristeza é pouco mais que um sentimento patológico.
Vamos desfazer de uma vez por todas os falsos mitos sobre isso, pois essa emoção é inerente a nós como seres humanos, uma coisa que devemos entender e que não se cura com a típica frase "vamos lá, fique com a moral que você só viver uma vez.". A tristeza tem várias camadas, estes que formam um reino particular do qual falamos a você abaixo.
1. A tristeza é um aviso
A tristeza sempre se manifesta com uma perda de energia. Não chegamos imediatamente ao estado de desconforto e achatamento típico da depressão, é um processo mais brando, mais despercebido. Sentimos uma forte necessidade de concentração interior que geralmente é acompanhada por uma sensação de apatia e cansaço indefinível.
Essa sensação física na verdade responde a um mecanismo de alerta no próprio cérebro: nos força a nos distanciar dos estímulos do ambiente ao nosso redor para nos conectarmos com nosso eu interior. Devemos "investigar" esse algo que nos incomoda, que nos preocupa, que nos incomoda...
2. A tristeza nos convida a conservar "recursos"
Bernard Thierry é um biólogo e fisiologista que estuda essa emoção negativa há anos. De acordo com estes, a tristeza produz em nós um pequeno estado de "hibernação".
Nos coloca em espera, nos relega à imobilidade e introspecção para que possamos refletir sobre um fato concreto. Mas não é só isso, por meio desse processo, o cérebro faz questão de não desperdiçar toda a energia em atividades que, no momento, não são prioritárias.
O essencial é resolver o mal-estar, focar em nós mesmos. No entanto, como já sabemos, nem sempre prestamos atenção a esse instinto de autopreservação. Nós a ignoramos e nos apegamos à nossa vida cotidiana como se nada tivesse acontecido.
3. Tristeza como autocuidado
Há muitos psicólogos que não querem rotular a tristeza como “uma emoção negativa”. Em nossa fixação quase obsessiva em rotular qualquer conduta ou fenômeno psicológico, às vezes perdemos a perspectiva correta de analisar essa realidade.
- A tristeza não é negativa nem positiva. Estamos sozinhos diante de uma emoção que funciona como um mecanismo de alerta, que sugere coisas válidas e necessárias como “parar um momento e ouvir a si mesmo, cuidar de si, conversar consigo mesmo e entender o que acontece com você”.
- Por isso, quando um amigo, familiar ou parceiro nos diz “não sei o que me acontece, estou triste”, a última coisa que temos a dizer é “animar-se, não é nada”.
A frase certa é muito simples: "diga-me o que você precisa". Isso forçará a pessoa à nossa frente a refletir sobre a raiz de seu problema e, assim, aprofundar suas verdadeiras necessidades.
4. Tristeza como anseio e inspiração
A tristeza tem um gosto estranho, oscila entre a saudade e a melancolia. É a falta de algo, nos sentimos tão desmoronados por sentimentos opostos, por vazios e necessidades sem nome que às vezes nos desesperamos.
Costuma-se dizer que essa emoção é a forma mais refinada de sensibilidade do ser humano, aquela que convida muitos a serem mais criativos, a abordar a arte, a música ou a escrita para canalizar todos esses sentimentos opostos.
No entanto, e é bom lembrar, embora a tristeza possa inspirar o coração do artista, ninguém pode viver permanentemente neste reino de saudade, melancolia e vazio em que habita a imaturidade emocional.
5. A tristeza como estratégia para o nosso desenvolvimento psicológico
Nessa camada superior das necessidades de Abraham Maslow está a auto-realização pessoal.
- Não podemos esquecer que esse pico quase ideal de crescimento psicológico incorpora princípios básicos como a própria auto-estima e força emocional adequada.
- A pessoa que é incapaz de compreender, examinar e enfrentar sua tristeza opta pela desconexão para deixar suas próprias necessidades, sua própria identidade em mãos estranhas.
Compreender as próprias emoções e gerir o seu universo da melhor forma possível é um contributo fundamental para o nosso crescimento psicológico, por isso é bom deixar de associar a tristeza a termos como fraqueza ou vulnerabilidade.
Por trás de cada pessoa que se identifica e enfrenta a tristeza, existe um verdadeiro herói.
Imagens cortesia de Amanda Clark