“O tempo cura todas as feridas”, dizem. No entanto, a verdade é que o tempo não cura as feridas, somos nós que devemos sarar com o tempo. Pensar que o tempo é solução garantida para nossos problemas, conflitos e sofrimentos gera uma atitude passiva que acaba alimentando um estado de abulia em que crescem a frustração, a insatisfação e a dor.
Um estudo conduzido na Arizona State University descobriu que, embora tenhamos a capacidade de nos curar de eventos traumáticos, muitos dos eventos significativos que alteram a vida continuam a nos afetar vários anos depois, muitas pessoas demoram muito mais do que o esperado para se recuperar.
Portanto, deixar nossa cura emocional nas mãos do tempo não é exatamente a escolha mais segura ou inteligente que podemos fazer. E há vários motivos que o apóiam.
Por que o tempo não cura todas as feridas?
1. A dor tende a piorar antes de melhorar
Pensar que o tempo cura tudo é o mesmo que acreditar que a cura emocional segue um processo linear no qual a dor diminui gradualmente com o passar dos dias. Mas aqueles que sofreram uma perda dolorosa sabem que esse não é o caso.
Os primeiros dias geralmente não são os piores porque, quando o golpe é muito forte, mecanismos de defesa como a negação são ativados para nos proteger, pois atuam como uma espécie de "anestesia emocional" durante os primeiros dias ou semanas. Quando seu efeito começa a passar e percebemos a extensão do que aconteceu, a dor contida recupera força e pode nos atingir com maior intensidade do que no início.
Portanto, não é surpreendente que o sofrimento piore semanas ou mesmo meses após o evento doloroso. Além disso, a intensidade da dor que sentimos ao longo desse tempo é extremamente variável, de modo que os dias "bons" são intercalados com os dias "ruins". Esses altos e baixos emocionais fazem parte do processo.
2. Nem todos eles melhoram com o tempo
Como regra geral, 18 meses após uma perda significativa, a maioria dos sintomas mais intensos característicos da dor tende a diminuir, da tristeza geral à insônia, raiva, anedonia ou pesadelos. Mas essa regra não se aplica a todas as pessoas.
Tem gente que passa por um período complicado e fica paralisado de dores. No caso do luto não processado, por exemplo, ficamos presos em um dos estágios porque não podemos processar emocionalmente a perda. Nosso mundo interior não se reorganiza para aceitar o que aconteceu, ou porque a realidade cria sentimentos que são opressores demais para controlar ou porque acreditamos que abrir mão da dor é uma traição à pessoa que nos abandonou.
Portanto, embora todos nós tenhamos um poder de cura interior natural, cada caso é diferente e nem sempre é possível seguir em frente sem a ajuda de um profissional que pode canalizar emoções e ideias inadequadas. Podemos nos tornar muito resilientes, mas também é importante estarmos cientes de nossas limitações e entender que a passagem do tempo não é garantia de cura.
3. O tempo passa muito devagar quando sofremos
O tempo pode ser uma medida objetiva para alguns, mas para quem sofre, torna-se extremamente subjetivo. Quando estamos doentes, por exemplo, o tempo passa muito devagar. Os minutos que temos de esperar para que as drogas façam efeito parecem uma eternidade.
Na verdade, neurocientistas da Universidade de Lyon descobriram que a dor e as emoções negativas alteram nossa percepção do tempo, fazendo-o fluir mais lentamente. Esses pesquisadores apontam para o córtex insular anterior, uma área do cérebro que integra os sinais de dor do corpo, mas também é um componente crítico envolvido na integração da dor, da autoconsciência e do sentido do tempo. Eles sugerem que a estimativa do tempo e a autopercepção podem compartilhar um substrato neural comum e que, quando nos sentimos mal, focamos muito em nós mesmos, o que contribui para a impressão de que o tempo pára.
Portanto, dizer que o tempo cura todas as feridas é um eufemismo. Quando você sofre, os minutos parecem horas e as horas se transformam em dias que passam lentamente. Por isso, quando a adversidade bate à nossa porta, parecemos vítimas de uma tragédia e pensamos que a dor não terá fim. Nossa percepção do tempo é alterada.
4. O tempo leva à resignação, não à cura
As feridas da alma não cicatrizam como as do corpo, pelo menos não sempre. Sentar e esperar, sem fazer nada para processar a dor ou o trauma, não leva diretamente à cura, mas sim à resignação silenciosa.
Quando o tempo passa e a dor não desaparece porque não elaboramos o que aconteceu, estabelece-se um estoicismo que pouco tem a ver com o crescimento que ocorre após o trauma, mas é mais semelhante ao desamparo aprendido e à conformidade de quem tem rendeu-se.
O tempo pode nos ajudar a tolerar melhor a dor porque nos acostumamos com suas dores, mas não necessariamente nos ajuda a superá-la e emergir mais fortes ou com uma nova visão. Na verdade, em muitos casos, pode nos afundar na anedonia e na depressão, fazendo-nos desistir da autocura.
5. O trauma é atemporal
Nenhum trauma ocorre imediatamente nem tem data de validade. Um estudo conduzido na Uniformed Services University of Health Sciences revelou que 78,8 por cento dos soldados gravemente feridos não mostraram sinais de trauma dentro de um mês do evento, mas estes apareceram cerca de sete meses depois. No trauma de início tardio, por exemplo, o impacto emocional permanece aparentemente inativo, mas pode se manifestar mais tarde.
Da mesma forma, as memórias traumáticas intrusivas podem persistir por muito tempo depois que o evento desencadeador passou e são tão nítidas quanto quando passamos pela experiência original. No caso de flashbacks, pesadelos ou pensamentos e imagens intrusivas, nosso cérebro não diferencia a realidade das memórias, então a dor e o sofrimento que experimentamos são muito intensos.
Até que processemos essas experiências e as integremos em nossa memória autobiográfica, não seremos capazes de subtrair seu impacto emocional, então elas continuarão a nos machucar quase como no primeiro dia.
Em qualquer caso, é difícil saber quando iremos nos recuperar de um acontecimento doloroso. Mesmo sabendo que o sofrimento dói, não dói da mesma forma para todos. Portanto, a cura emocional é uma jornada pessoal de altos e baixos.